Conto


A Perdição do Riacho da Lua

Havia, numa pacata aldeia do interior, um magnífico vale verdejante. Ali se encontrava uma pequena lagoa, com águas cristalinas, que espelhavam o sol, a lua e o cume da montanha.
Era uma aldeia de poucos habitantes. Entre eles, morava um rapazinho bonito, tímido, com espírito aventureiro. Estudava e ajudava os pais na pequena horta que tinham junto a modesta casinha. No pouco tempo que sobrava, e vindo ao de cima a sua agilidade aventureira, percorria o rio, até chegar a lagoa. Ali se encantava, com os reflexos na água, com o chilrear dos pássaros, com a brisa fresca que abafava a força do sol quente. Ao contemplar toda aquela beleza, de tão distraído, não se apercebera de que alguém o seguia, que de forma ainda mais tímida, espiava o seu contentamento, a sua “plena liberdade” ao brincar com o seu cãozinho snoopy. Pedro apercebeu-se daquela pessoa escondida por trás de uma grande arvore… o seu rosto envergonhado escondia o azul brilhante dos seus olhos e os magníficos cabelos louros, longos e macios, cobriam-lhe os ombros. No alto da cabeça uma fita azul segurava o seu papelote. Aproximou-se e perguntou:
- Olá! Não costumo ver-te por aqui. De onde és?
- Moro na aldeia da Saudade, por trás daquele monte. Chamo-me Sofia.
- Gosto do teu nome… Sou o Pedro. E moro na aldeia do Segredo.
- Sabes, já te tenho visto outras vezes – dizia ela com um sorriso escondido nos lábios. Mas tenho-me mantida escondida… pensava que era a única pessoa a cá vir. Depois vi que tu também gostas de passar cá muito tempo. Então escondia-me, para não ser descoberta, e ficava a ver-te brincando com o teu cão.
- Sim, responde ele. Gosto de cá vir e trago-o sempre comigo, chama-se snoopy. É o meu amigo e companheiro. Acompanha-me quando vou para as aulas, quando ajudo os meus pais. Trago-o aqui para brincarmos um com o outro. Além do mais, gosto de ouvir os pássaros o suave som do rio a correr…
Ela interrompendo-o diz:
- Acho-o fantástico, alegre, com muita vida, e transmite uma calma inigualável.
Ele atrapalhado retorquiu – O quê??... Quem??!! Eu??
- Ela largando uma enorme gargalhada, responde: este lugar. Todo o verde da natureza, tudo isto.
- Ah! Ok. Pensei que…
Logo ele é interrompido novamente por ela que lhe diz:
- Desculpa, mas tenho que ir embora, já se faz tarde. E enquanto se distanciava, continuou:
- Meu pai não gosta que chegue tarde. E num sussurro suave, que ele mal ouve, ela terminou:
- Também és engraçado.
Já ela ia longe, enquanto que ele, espantado, se perdia em pensamentos…
Aquela menina havia despertado algo nele. Aquela beleza, como ele nunca havia visto, deixou uma marca que o fizera sonhar constantemente.
Nos dias seguintes, a sua rotina havia sido a mesma, mas com a ansiedade de voltar mais depressa aquele lugar e voltar a ver aquela miúda que o havia encantado.
Ele mal se apercebera de uma intolerável tristeza que o rodeava enquanto que se perguntava a razão de nunca mais ter visto aquela bela rapariga. Os dias foram passando e ele consciencializa-se de que aquele mágico momento, que havia vivido, se tornara numa ilusão, num sonho perdido. Apesar da mágoa e do sofrimento, de uma saudade que apertavam o seu peito, camuflava esses sentimentos e ia seguindo a sua vida…
Numa bela tarde de Domingo, Pedro decide ir até a Aldeia da Saudade. De forma sorrateira, e sabendo que seus pais não o deixavam ir sozinho, põe-se à estrada, sem comentar nada com ninguém.
Pouco tempo depois, dando pela falta de Pedro, a Aldeia do Segredo entra em alvoroço. Todos se perguntam o que terá acontecido aquele menino. Pedro havia desaparecido da aldeia. Apesar de ser ainda jovem era um rapaz trabalhador, simples, respeitado e respeitador. Era o aclamado “menino de ouro” daqueles pais. A possibilidade de que algo acontecesse deixava toda a aldeia em profunda tristeza. Todos, sem excepção seguiam, por todos os cantos da aldeia, na esperança de o encontrar.
O tempo ia passando, e a medida que a noite chegava aumentava a agonia dos que o procuravam. Não havia sinais de Pedro. Algo havia acontecido porque Pedro nunca fizera semelhante coisa.
- Meu Deus, que aconteceu ao meu menino! Gritava a mãe com as lágrimas no rosto.
- Não se preocupe, ele logo vai voltar. Diziam os vizinhos no sentido de tranquilizar o desespero daquela mãe.
- Ele não teria fugido, não tinha motivos para tal. Eu bem que o notava um pouco mais triste, mas não se abria comigo, retorquiu o Pai.
A dúvida, o medo, a tristeza e, ainda que disfarçados, os pensamentos do pior, avassalaram por completo aquela Aldeia. Esta seria a mais longa noite dos últimos tempos. Uma noite de espera e expectativas.
A Aldeia do Segredo situa-se entre duas montanhas, o rio que passa por perto vem do alto do monte. Os habitantes cuidam e tiram dali o peixe que os alimenta. Esse rio desagua numa imensa lagoa que se situava na população mais próxima. Uma outra Aldeiazinha, chamada Boca de Vento.
No outro lado da montanha situava-se a Aldeia da Saudade. Era, também, conhecida como “Aldeia Principal” e fazia parte de um pequeno grupo de cinco aldeias nas redondezas. A ligação às duas aldeias era feita através de uma estrada em terra batida, sem muita luminosidade. Por ficar no outro lado do monte, demoravam-se mais de três horas para lá chegar.
Entretanto, nessa mesma Aldeia da Saudade, Pedro, que nunca lá tinha ido, encontrou-se sozinho, no meio de muita gente estranha. Andava escondido, espreitando aqui e acolá. Procurava aquela menina de olhos azuis que tanta paixão despertara nele. Era uma aldeia maior, com mais população, mais casas e algumas fábricas. Sem ter onde ficar e como estava ficando escuro para voltar à sua Aldeia, procurou abrigar-se num beco. Tremulo e com um ar arrependido do que havia feito, agasalhou-se com umas caixas de cartão. Aumentava a expectativa de que logo amanhecesse para voltar para casa, nunca sem antes fazer mais uma tentativa para encontrar aquela menina. O silêncio e a solidão assustavam-no. A noite estava clara, iluminada pelo brilho do luar, uma brisa suave fazia-se notar, e o frio aumentava aos poucos e poucos. Pedro procurava mais caixas tentando agasalhar-se o mais que podia. Ao mesmo tempo que queria adormecer, entre um olho aberto e outro fechado, receava o que poderia acontecer estando ali, sozinho, sem conhecer ninguém, desamparado numa aldeia estranha.
A manhã chega e na Aldeia do Segredo o impasse, a dúvida faziam-se notar com mais fervor. Rui, o Pai de Pedro, decide ir estrada fora ao seu encontro. Mas ao mesmo tempo coloca-se a dúvida. Para que lado terá ido ele?! Acreditando que pudesse ter ido para a Boca de Vento, por ser mais perto e lá ter familiares chegados, decide lá ir. Pouco mais de uma hora de viagem chega ao seu destino, dirigindo-se à casa de seu parente, primo de seu pai.
Entretanto, na Aldeia da Saudade, Pedro é acordado por um homem que estranha aquela situação.
- De onde vens meu filho, como te chamas?
Ainda com os olhos entreabertos e com um ar sonolento, responde:
- Chamo-me Pedro e venho da Aldeia do Segredo.
- Mas que fazes aqui, desamparado, sozinho? Fugiste de casa?
- Sim, isto é, não… quis vir conhecer esta aldeia nunca cá tinha estado… o meu pai não sabe que vim…
- Mas poderias ter-te magoado. Não devias te aventurar dessa maneira. Há muitos malandros por aí que poderiam se aproveitar de situações como esta. Anda comigo, vou arranjar algo para te alimentares.
- Muito obrigado senhor… mas acho que vou voltar para a minha Aldeia! Meus pais devem estar preocupados.
- Deixa-te disso. Logo mais vou lá visitar minha irmã, aproveito e deixo-te com teus pais.
- Obrigado, mas não precisa se incomodar. Ponho-me lá num instante.
- Eu insisto. Anda comigo.
Pedro é, literalmente, levado pela mão daquele homem. Entram num café no qual o homem pede que seja dado um copo de chocolate quente e uma enorme fatia de bolo de chocolate. Pedro delicia-se com aquela refeição. O homem pede a Pedro que coma tranquilo, mas que o espere ali. Precisava de fazer uma volta antes de se dirigir a outra aldeia.
Na Boca de Vento, Rui questionava os habitantes sobre a possibilidade de terem visto Pedro passar por lá. O desânimo nota-se cada vez mais, aquando das respostas negativas. Pedro não havia passado por ali. Sem muito mais poder fazer, Rui volta ao seu lar. Vinha pelo caminho pensando o que poderia ter passado pela cabeça daquele rapaz.
A juventude tem muitas fases na vida pelas quais se aventuram, na expectativa de alcançar algo. Um sonho, um amor, o conhecimento de novas experiencias…
Pedro, terminando a sua fatia de bolo, apercebe-se de alguém passando no lado de fora, uma miúda bonita com cabelos louros acompanhada por uma mulher mais velha. Os seus olhos brilham, repentinamente, com uma enorme alegria. Aquela miúda parece-se com Sofia. Dando um pulo da cadeira, vai a porta e num acto de desespero grita: Sofia!
Todos ficam espantados com aquela atitude. A miúda, e a mulher que a acompanhava, olham para trás, com ar sério, de pouco amigos, com vontade de escorraçar aquele miúdo com uma aparência menos própria. Pudera, depois de uma noite ao relento, sem banho tomado, e com a roupa amarrotada, tinha tudo menos boa aparência. Afinal era um desconhecido que andava naquela aldeia.
Aquela miúda era, de facto, parecida com Sofia, mas os seus olhos logo a denunciaram, dando a Pedro um enorme desalento. Era apenas uma “miragem” daquela bela rapariga que tanto carinho despertara nele. Voltou para a mesa de cabeça baixa, com um olhar triste. Um homem de idade, com barba branca, aproximou-se de Pedro e perguntou:
- Que olhar tão triste é esse que carregas? Quem é essa Sofia que procuras?
- Desculpe senhor, não o conheço, não deveria falar consigo.
- É certo que não me conheces. Podes ter medo de mim. Sou um homem simples que mora nesta aldeia a muito tempo. Não faço mal a ninguém. Vivo aqui no meu cantinho. Mas digo-te, conheço muita gente daqui e pode ser que te possa ajudar.
- Não! Nem devia ter vindo aqui… que estupidez… as maluquices que uma pessoa faz… e depois deve haver centenas de pessoas aqui, como pode conhecer toda a gente?
- Sei como te sentes. Eu também não confiava assim em qualquer pessoa que me fosse estranha.
Nisto chega o homem que havia amparado Pedro do meio da rua.
- Boa tarde Sr. António, como tem passado?
- Estou bem obrigado. Estava aqui falando com este rapaz…
- Encontrei-o esta manha no beco, coberto de cartões. Esta tudo bem rapaz?
- Sim, responde Pedro de forma reticente…
- Que fazias ali?
Pedro vai ganhando mais confiança ao mesmo tempo que aqueles homens lhe transmitem segurança. Assim começa a contar a sua aventura. Explica a razão da sua vinda aquela aldeia, o porquê de não contar a seus pais e a preocupação que ele lhes teria causado. Ridicularizava o que tinha feito em modo de arrependimento. Falando de seus pais, qual não é a sua surpresa quando descobre que este homem, de barba branca, já tinha sido patrão de seu pai. Nos tempos em que as coisas eram bem diferentes e Rui nem era ainda casado com a sua actual mulher.
Pedro mencionou o nome de Sofia e logo um brilho intenso sobressaiu do seu olhar. Estupefactos com toda aquela história perguntavam algo mais sobre aquela miúda que ele desesperadamente procurava. Infelizmente Pedro não tinha muito que dizer sobre aquela miúda. O contacto que tivera com ela fora tão rápido que ele pouco ou nada conheceu. De quem era, o que fazia. Tinha certeza de uma coisa: “ela firmou que morava nesta Aldeia”. Também não sabia quão enorme era este local. Entretanto lembra-se do dia em que a havia encontrado. Já havia passado quase três semanas desde essa altura. De forma detalhada lembra-se da roupa que ela trazia vestida. De forma quase inconsciente afirmou:
- Ela estava com um vestido cor-de-rosa, bonito, com uns folhes em tons de azul-marinho, suave, de roda larga. Na cintura trazia um laço azul-escuro, combinando com o laço à cabeça que aguentava o seu papelote, e com os folhes do seu vestido. Trazia uns sapatinhos brancos, em género de bailarina, e umas meias com o desenho de uma borboleta. Ela estava muito bonita, terminava ele.
Quando se apercebe fica envergonhado por ter feito tamanha descrição e tão pormenorizada. Ainda para mais sendo para pessoas estranhas…
O homem expressando um sorriso, diz:
- Quando o coração manda, não há nada que se escape. E continuava…
- Mas deixa que te diga uma coisa curiosa, sei muito bem de quem falas.
Pedro fica assustado e interroga:
- Mas como senhor??! Esta aldeia deve ter dezenas de raparigas como ela, como pode saber quem realmente é ela?
- Essa miúda é minha sobrinha. E esse vestido foi eu que lhe comprei no natal passado. Por acaso mais ninguém tem um vestido assim. Ela não passa tanto tempo aqui como gostávamos, por causa dos estudos.
Pedro ficou paralisado. O mundo parecia desabar sobre si, e a vergonha apoderava-se cada vez mais dele. Pedro tentava falar, mas perdia-se nas palavras de tanto embaraço
- Mas senhor, eu… bem, desculpe mas sabe… é que eu…
Dando uma gargalhada, ele retorquiu – “tem calma, não te preocupes. Sei o que são essas coisas. Vamos embora. Pelo caminho vou-te dizer onde ela está. A propósito ainda não te disse o meu nome. Chamo-me José.
No regresso a casa Pedro vinha mais contente, finalmente ia ter notícias daquela bela rapariga.
José contava que a sua sobrinha Sofia, havia ido para outra província. Tinha ido para lá, para um concurso de ballet. Estudava e, ao mesmo tempo, aprendia ballet. Por isso passava pouco tempo na aldeia. Ela vinha lá de vez em quando, nas pausas das aulas de ballet, quando não tinha representações fora ou estava de ferias da escola. O tio gabava-a de tal forma que parecia uma princesa. Gostava muito dela. Ao mesmo tempo que se deliciava com aquelas notícias, notava-se um amargo na sua expressão. Agora, mais que nunca, pensava que seria difícil revê-la. Bem próximo da Aldeia do Segredo, Pedro pedia para não contar a seus pais o que lhe havia dito. Temia a reacção deles.
Ao chegar Pedro notou que toda a aldeia andava a sua procura, todos estavam preocupados com o seu misterioso desaparecimento. Mas José tranquilizava-os, afirmando que estava bem. Apenas um pouco cansado e que dormira mal a noite.
A mãe, abraçando-o exclamava:
- Pensava que te tinha perdido! Porque fizeste isso, deixando-nos todos preocupados? Não sabíamos onde andavas. Poderias ter caído, magoado. Procuramos por ti em todo o lado… na Boca de Vento, no Riacho da Lua, onde brincavas com o snoopy. Estranhamos teres caminhado sem ele….
- Eu sei mãe. Desculpe-me. Não voltarei a faze-lo. Prometo.
O pai perguntava o que havia lhe passado pela cabeça, o porquê de caminhar assim. Pedro respondeu:
- Quis ir conhecer aquela Aldeia. Falavam tanto dela que fiquei curioso. Mas não sabia que era tão longe… quando lá cheguei era quase noite e tive medo de voltar para trás sozinho…
Desculpe senhor. Dizia o pai. Quero agradecer-lhe ter trazido o meu filho. Será nosso convidado para almoçar lá em casa. Não aceito um não como resposta. Fico-lhe muito grato pelo que fez. Chamo-me Rui.
- Ora essa, deixe disso. Não precisa de se incomodar. Meu nome é José. Aproveitei, que cá vim visitar minha irmã, e trouxe-o comigo. Ela mora no cimo da Aldeia, chama-se Rosa. É a senhora que tem o moinho. Deve conhecer.
- É claro que conheço a Sr.ª Rosa. Temos moído muito trigo e muita cevada naquele moinho. É uma pessoa muito simpática.
- Sim. Desde pequena que era uma miúda simples e gostava de se manter sempre ocupada. Sempre mostrava simpatia para as pessoas. Era também a nossa segunda mãe. É a mais velha da casa e quando minha mãe faleceu, ficou ela a tomar conta de nós enquanto nosso pai ia ganhar o pão de cada dia. Tempos difíceis que já lá vão.
- Belos tempos que vivíamos, embora as dificuldades fossem bastantes. É a vida.
Perguntava o pai:
- Pedro, então? Que aventura foi aquela de ir para uma aldeia distante sozinho?
- Eu já lhe disse, pai. Quis ir conhece-la.
Interrompendo José, acrescentava, deixando transparecer um sorriso maroto:
- Foi a procura de uma menina com quem ele se tinha encontrado. Bonita e bem falada, por ventura…
Pedro interrompeu:
- Você prometeu que não dizia nada. Eu só queria vê-la outra vez. Sou apenas amigo dela.
- Oh Pedro, não faz mal. Compreendemos, mas poderias ter avisado. Pedias-me para te levar lá.
- Eu não queria dar maçada… sussurrava Pedro.
José Acrescentou:
- Quando ela voltar, trago-a cá para te fazer uma visita.
- Bem… acho que não é necessário… encontramo-nos no Riacho da Lua, afirmava com ar corado. Sei que ela gosta muito de lá ir…
Os dias foram passando, Pedro continuava sonhando… a sua presença ajudando os pais, os vizinhos, os amigos… era notória a dedicação que imponha, exemplar.
Sem esquecer Sofia, sempre voltava ao Riacho da Lua. Ali ficava-se lembrando do dia em que se apaixonará por Sofia. Embora não se apercebesse, era esse o sentimento que lhe dava vida e ânimo.
Nos dias em que era preciso ir ao moinho, Pedro perguntava a Dª Rosa (que nada sabia do assunto) se seu irmão havia voltado a visita-la. Para tristeza de Pedro a resposta fora negativa, uma e outra vez. Mesmo assim mantinha aceso o fio da esperança de que quando José voltasse traria notícias de sua amada… Pedro ia seguindo a sua vida.
No outro lado da montanha, na longínqua província “Solar Vaidoso” Sofia continuava no seu ballet, entre ensaios, actuações e o tempo que dedicava aos estudos. Certo dia, por infortúnio do destino, Sofia é hospitalizada. Num dos seus ensaios de ballet, havia se magoado seriamente num dos tornozelos. José havia ido visita-la. Sófia lamentava o que lhe havia acontecido.
- Este acidente que tive… levarei muito tempo para recuperar e os médicos não sabem se poderem voltar a fazer ballet. Sabe como eu gosto disto…
- Não te preocupes. Tudo vai correr bem. Vais ver que logo isso fica bom e vais poder voltar a dançar, brincar. Até vais poder ir visitar o Riacho da Lua, e brincar como costumavas fazer…
Surpresa com aquela afirmação, Sofia perguntou o que insinuavam aquelas palavras. Então o tio diz-lhe:
- Lembras-te de um jovem que conheceste lá? Chama-se Pedro…
Com um ar estupefacto, ela corou um pouco e respondeu:
- Sim, lembro… mas como é que soube disso?
- Encontrei-o um dia destes, lá na nossa Aldeia. Tinha ido ao teu encontro.
- O tio deve estar a brincar comigo…. Ele ia lá fazer uma coisa dessas…
- Pois, parece loucura mesmo… mas fê-lo… vê que até ficou a dormir como um mendigo, coberto com caixas de cartão…
- Mas porque fez ele isso? – Perguntava ela sem que obtivesse qualquer resposta.
Com uma afirmação de confiança o tio disse-lhe:
-Logo que estejas boa, voltas lá e perguntas-lhe pessoalmente… terá oportunidade de ouvir, na primeira pessoa, a aventura e a coragem deste rapazinho.
Deitada naquela cama de hospital, Sofia pensava no que seu tio lhe dissera. Embora não parecesse, ela escondia uma pequena simpatia por aquele rapaz. Como havia muito tempo que não tinha notícias dele, deixara ficar-se na expectativa. Ao mesmo tempo despertara uma curiosidade sobre aquela aventura. Nunca ninguém havia feito nada igual por ela.
Uma turbulência de ideias, dúvidas, surpresas, preocupações e alguma descrença cercavam os seus pensamentos.
Passado algum tempo Sofia volta a sua casa. Apesar de estar limitada, nas suas capacidades de deslocação, consegue voltar as aulas.
A sua vontade de voltar a Aldeia da Saudade, ia crescendo gradualmente.
Do mesmo modo crescia a curiosidade de saber porque fizera tal coisa aquele rapaz. Andava intrigada. Como poderia alguém, que apenas a vera uma única vez, fazer o que ele tinha feito.
Certo dia seu tio José visita-a, e convida-a a ir com ele até a Aldeia da Saudade. Disse que havia organizado um almoço de família. O seu filho mais novo celebrara o seu 10 aniversário.
Sofia nem respirou direito e logo respondeu afirmativamente. Estava desejosa de lá voltar.
Nessa mesma hora ela partira com o tio, havia terminado as aulas daquela sexta feira e como ainda não podia ir ao ballet, veio mesmo a calhar.
Ao andar notava-se uma certa dificuldade ao puxar pela perna.
No brilho do seu olhar embarcava e esperança de, pelo menos, rever Pedro. Mas a dificuldade em deslocar-se poderia ser um entrave. Ainda era um pouco longe ir da Aldeia ate o Riacho, apesar de ela conhecer os atalhos que a poriam lá em menos tempo.
Chegou a aldeia e o tio avisou que o almoço apenas seria no Domingo por isso o sábado estaria livre para fazer o que quisesse.
Assim foi. Ao acordar, Sofia visitou uns parentes e amigos que tinha na aldeia.
Após o almoço Sofia foi até o Riacho da Lua, mesmo na incerteza de ver ou não aquele rapaz. Pelo caminho ia contemplando o perfume das flores. Ia sorridente e cantarolando.
Lá chegou. O silêncio era tranquilizante. Estava sozinha, olhava para o rio, para o meio das árvores, sempre na expectativa. Encantava-se com o canto dos pássaros.
No chão notavam-se umas folhas caídas. Faziam lembrar a chegada do Outono. Mesmo com dificuldade, ia ensaiando uns passos de ballet, sem se esforçar muito.
Meio distraída no meio do nada, ouve o latir de um cão… pensou se não seria o cãozinho de Pedro.
Ainda de longe avista-o e logo seus lábios esboçam um sorriso.
Ao se aproximar Pedro delicia-se com a beleza daquele olhar, mas o seu rosto escondia uma certa tristeza. Pronunciou-se dizendo:
- Olá, tudo bem?
- Sim…
Ela ainda mal terminara. Pedro, interrompendo-a, empolgado e com uma alegria relevante, acrescentou:
- O teu tio falou-me que andas no ballet. Como esta correndo?
- Há, pois… já tem algum tempo que não vou…
Surpreso com aquela resposta, desconhecendo o que lhe tinha acontecido, retorquiu:
- Mas porquê? O teu tio disse que adoravas, a musica, as danças…
- É verdade. Gosto muito mesmo. Acontece que tive um pequeno deslize e magoei um dos tornozelos. Ainda não sei quando poderei voltar. Já estou melhor mas ainda sinto dores ao fazer alguns movimentos. Estou a fazer recuperação. Eles dizem que poderei voltar a dançar. Não foi tão grave como pensava.
- O meu tio falou-me da tua aventura. Ires visitar a minha aldeia sozinho. Que te passou pela cabeça?
- Foi mesmo uma aventura. Fui na esperança de poder voltar a ver-te. Acho que me apaixonei por ti…
Ela, desvalorizando um pouco, interrompe-o dizendo:
- Mas conta-me. Como foi esse desafio…. O que fizeste, onde dormiste?
Não conheces ninguém da aldeia…
- Pois… andava escondido, espreitando aqui e ali pelas propriedades. Mas não te via… quando dei por mim já era tarde, quase noite e não tinha como voltar a casa. Encontrei um beco, mais ou menos acolhedor e fazendo uma cama improvisada com cartões, deitei-me. Fiquei com um certo receio, mas lá acabei por adormecer.
- É mesmo coisa de maluco… mas devo confessar que foi preciso muita coragem.
- Às vezes atirou-me de cabeças em aventuras…
- É. Sabes, quando te via brincando com o teu cão, achava-te uma pessoa engraçada… Ficava imaginando-te, como realmente serias. Gostas de ballet?
- Eu? Bem, quando há peças na aldeia, faço companhia a minha irmã mais velha. A verdade é que nunca deitei muita atenção ao que se passava. Se calhar já tinhas passado por lá e não me tinha apercebido.
- Não, por acaso nunca actuei na aldeia. O grupo a que pertenço é de “Solar Vaidoso”. Fazemos actuações lá de vez em quando. No ano passado fizemos um intercâmbio, com um grupo de dança da Cidade. Eles vêm cá no próximo ano.
- Podias ir assistir à peça. Ia gostar de te ver lá.
- És realmente muito interessante… irei sem dúvida
Pegando numa simples flor silvestre, Pedro coloca-a junto ao cabelo, na proximidade da orelha. Sorrindo e acariciando o seu rosto, afirmava:
- Gostava de poder continuar a ver-te. Sei que não vens cá muitas vezes. O teu cabelo é tão macio…
- És muito engraçado mesmo. Dizia ela afastando-se. Acho que sim… até poderíamos nos encontrar aqui. Por causa das aulas, só venho cá aos fins-de-semana. E enquanto não começar o ballet, virei cá todas as semanas.
Estou a pensar… lá no grupo estão precisando de pessoas, principalmente rapazes… não gostavas de participar? Sempre estaríamos mais perto…
- Não sei, responde Pedro. Era sem dúvida uma excelente ideia… mas a minha escola é aqui… e sempre ajudo meus pais na fazenda… só no próximo ano é que irei para a cidade…
- Está bem… não falta assim tanto tempo… se calhar ainda consegues entrar no grupo…
O tempo foi passando. Sempre que Sofia visitava a Aldeia da Saudade, era rotina passar pelo Riacho da Lua. Os seus amorosos encontros com Pedro iam se repetindo vez após outra. Ia crescendo o amor entre estes dois jovens. Gastavam as suas tardes no Riacho da Lua.
Passado um ano, para continuar os estudos, Pedro teve que ir para a Cidade. Uma certa tristeza espelha-se no rosto de seus pais, pela sua maior ausência, misturada pela certeza de que iria lutar por um futuro melhor.
Maior era a alegria de Pedro. Agora, mais que nunca, iria estar bem perto do coração de sua amada. Iria, também, ser o par de ballet de Sófia. Numa aventura conciliam o ballet, os estudos e o romance que os unira.
O “Segredo” de um amor e a “Saudade” de uma presença foram o orgulho de vida daquelas Aldeias. Deste Amor nascera o mito: “A Perdição do Riacho da Lua”. 

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